Depois que a Natércia se casou, as rotinas lá de casa alteraram-se, a minha mãe passou a ter menos tempo e paciência para me aturar e eu cada vez mais crescido e inquieto, passei a apanhar uns tabefes com mais frequência. O meu avô, ao tempo, passou a ir quase todos os dias a casa dos meus tios, tinham lá obras e ele tomou a responsabilidade e a vigilância dos trabalhos.
Perante este cenário, resolveram lá em casa mandar o rapaz para a Dª Lídia, uma senhora professora primária que por razões políticas foi afastada do ensino, passando a ganhar o seu sustento, ensinando, a miúdos, as primeiras letras, como se dizia à época. E foi assim que começou o meu percurso “Académico”.
A Dª Lídia era uma mulher de estatura mediana, seca de carnes, cabelo muito branco apanhado atrás em carrapito coberto por uma coifa.
Esta senhora, muito respeitada pela vizinhança, não era pessoa de sorriso fácil nem de muitas conversas, mas era um ser de reconhecido bom coração porquanto ensinava, gratuitamente, miúdos de famílias sem posses e pouco esclarecidas que preferiam mandar os filhos prá rua pedir esmola em dinheiro ou comer, para assim arranjar meios com que sobrevivência.
Foi assim que eu pela primeira vez contactei com a estrema pobreza, direi mesmo miséria, ao ter como colegas duas irmãs muito pobres que quer com frio ou calor vestiam sempre as mesmas escassas roupas, eram muito magras, os cabelos sempre desgrenhados e sujos que anos mais tarde ao ver na televisão imagens de crianças desnutridas em países africanos me veio à memória aquelas minhas ex-colegas, nunca mais soube nada delas, creio que professora que muitas vezes as acolhia lhes dava de comer, dentro das suas possibilidades, as obrigava a tomarem banho intercedeu para que fossem acolhidas pela Casa Pia.
Nesta escola cada um pagava de acordo com possibilidades das suas famílias e o lanchinho que levávamos para comer ao meio da tarde, tinha que ser repartido com os meninos que não tinham nada para comer, assim a minha mãe lá arranjava um lanche reforçado para que eu o partilha-se, no caso, com as “irmãs pobrezinhas” e foi assim que eu fui alertado e me apercebi, ao velas comer o pão em bocadinhos muito pequeninos e saboreados até à última gota de saliva o quanto deve ser triste a fome e a miséria.
Bom mas nesta escola não se aprendiam só as primeiras letras e os valores primeiros do humanismo, também tínhamos que ser disciplinados e educados uns com os outros razão pelo que fui bastantes vezes castigado talvez mesmo, de todos, aquele que mais tempo estive ao canto da sala a olhar prá parede. Era com este castigo que o meu avô lá em casa me ameaçava para me manter quieto.
Texto escrito por: FIS
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